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Desta Arte que me Fala - 5ª viagem | No núcleo do teu Medo ainda mora Amor

Atualizado: 3 de fev. de 2020

Entre a ternura da saudade e o desassossego da expectativa, habitas tu e aquela tua vida que talvez-um-dia-pudesse-vir-a-ser. É nesse cansaço oportuno que também caminham os passos que tu já não dás, pelas tuas pernas que também já não andam. Com o tempo esqueceste que as tinhas ou que alguma vez andaram sequer. Esqueceste a espontaneidade que morava nos teus movimentos, não esqueceste? E com o tempo desprezaste também o propósito do teu corpo. Com o tempo tornaste-te numa máquina dura que precisa de remendos aqui e ali, pouco esperançosa à espera que a vida lhe talhe a vida. E com tanto tempo sem o passo das tuas pernas que já não andam, a emoção que prendes por debaixo dos tecidos maleáveis da tua carne perderam a doce forma de sentir. Sobrevivem sim, sob essa dura carapaça de tensão permanente cravada nos ombros, nas costas, no peito. Era medo que te nutria até então, não era? Medo de não saber se havia razão em validar o que vias ou escutavas? Validar o que sentias? E nesta fase, depois de tanto te calares submisso a outra parte de ti próprio, responde-te: quanto medo carrega em silêncio agora o meu corpo? - em silêncio sim, porque o medo não se faz ouvir - fala baixinho num sussurro atento, até que te doa. E quando sentires a miúda dor aguda capaz de te gritar à alma, então chora, chora que nem esse menino que desde sempre levaste aí contigo, esse menino que cresceu e aprendeu a não ousar fragilizar-se nunca: a única parte de ti que calou o Amor que és e sempre foste.


Soubéssemos nós que o medo nos faz cansar da vida e que quando as pernas já nos pesam somos já somente nós num acto de permissão para que ela se talhe num surto de desistência contínua, não fosse a fluidez deste processo descendente tão mais estéril mas apetecível que a complexidade e estranheza da cura. Esqueces-te sempre que em ti repousa também a cura, ali bem abrigada ao colo do teu medo e que só não a olhas porque a temes, não é? Então esqueceste-te também da grandeza que trazes contigo sempre que te rendes à comoção da tua dor. Esqueceste-te da bondade que trazes no peito quando permites o teu menino finalmente chorar. Esqueceste-te que é na tua cura que mora a luz de toda a Humanidade.


Traz sempre o teu medo contigo, o menino e a tua dor, porque é nesse acto fraterno que o teu olhar se eleva alto, num mergulho implacável ao mais profundo e bonito do teu Ser.


A maior felicidade agora é quando reaprenderes a cair de Amores por ti.



Catarina Marques







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